⚙️ A máquina mais complexa do mundo

O cérebro, localizado no crânio, é o principal órgão do sistema nervoso central. Ele pesa em média de 1,2 a 1,4kg (cerca de 2% do peso total do corpo humano). Apesar de pequeno, este órgão responde por cerca de 20% do consumo energético total do corpo e recebe cerca de 15% do volume de sangue que sai do coração a cada batida. Todos os nossos pensamentos e sentimentos são manifestações da atividade dos neurônios que compõem o cérebro. Este é um órgão tão complexo que ainda estamos começando a compreender seu funcionamento e muitos fenômenos e comportamentos permanecem sem explicação.

Erald Mecani / CC BY-SA

Erald Mecani / CC BY-SA

Por exemplo, nos gabamos de nossas habilidades matemáticas e em jogos complexos como o xadrez, mas precisamos de anos de prática para adquirir e dominar essas habilidades enquanto podemos construir máquinas que calculam de maneira mais rápida e confiável do que nós ou que são capazes de vencer o maior mestre enxadrista do mundo. Por outro lado, apresentamos alguns comportamentos e habilidades que nos parecem triviais como reconhecer outras pessoas falando, reconhecer rostos, andar, correr e realizar movimentos finos, mas que não conseguimos até então construir máquinas que consigam reproduzi-los com tanta sofisticação e generalidade. No fim das contas, estes comportamentos são muito mais complexos do que aparentam e ainda não compreendemos muito bem como se originam no cérebro.

O cérebro evoluiu para nos permitir navegar por um mundo complexo e a maioria do processamento acontece abaixo do nosso nível consciente. Só estamos cientes de uma parte limitada de toda a atividade que acontece em nossos cérebros. O interessante é que não precisamos saber como ele funciona em detalhes para sobreviver ou para explorar técnicas que nos permitam aumentar nosso desempenho em tarefas do mundo moderno.

Michael D. Fox, Abraham Z. Snyder, Justin L. Vincent, Maurizio Corbetta, David C. Van Essen, and Marcus E. Raichle; The human brain is intrinsically organized into dynamic, anticorrelated functional networks; PNAS July 5, 2005 102 (27) 9673-9678; https://doi.org/10.1073/pnas.0504136102

Michael D. Fox, Abraham Z. Snyder, Justin L. Vincent, Maurizio Corbetta, David C. Van Essen, and Marcus E. Raichle; The human brain is intrinsically organized into dynamic, anticorrelated functional networks; PNAS July 5, 2005 102 (27) 9673-9678; https://doi.org/10.1073/pnas.0504136102

A figura ao lado mostra o mapa de atividade do cérebro de uma pessoa em estado de descanso obtida com técnica de ressonância magnética funcional. As regiões em azul mostram áreas que ficam bastante ativas quando o sujeito interage com o mundo, mas que são desligadas no estado de descanso. As áreas laranjas são mais ativas em estado de descanso. Isso reforça a tese de que o descanso e o sono têm papel fundamental na forma como nossos cérebros funcionam.

Como veremos em outra seção, durante o sono nossos neurônios mudam de forma e durante toda a vida novas conexões são criadas e antigas são destruídas. Nossos cérebros são órgãos muito dinâmicos, nós literalmente somos pessoas diferentes cada vez que acordamos.

👥 Dois modos de pensar

Pesquisadores descobriram que nós temos dois modos fundamentais de pensamento: o modo focado e o modo difuso. O modo focado nos é familiar, ele acontece quando nos concentramos em alguma coisa específica que estamos tentando aprender ou entender. O pensamento difuso, por outro lado, não é tão familiar, mas constitui componente essencial do aprendizado e da criatividade.

Para explicar esses modos de pensar, vou utilizar a analogia da Prof. Barbara Oakley do jogo de pinball, aquele jogo em que você dispara uma bolinha e ganha pontos quando ela bate em obstáculos colocados em uma mesa. O seu cérebro é como se fosse a mesa de pinball e os seus pensamentos são conexões entre os obstáculos colocados na mesa. Para acessar um pensamento você dispara uma bola e ela percorre determinada trajetória conectando os obstáculos.

Patrick J. Lynch, medical illustrator (com modificações) / CC BY

Patrick J. Lynch, medical illustrator (com modificações) / CC BY

Patrick J. Lynch, medical illustrator (com modificações) / CC BY

Patrick J. Lynch, medical illustrator (com modificações) / CC BY

No modo focado, os obstáculos da mesa estão bastante próximos uns dos outros e você consegue acessar detalhes de pensamentos familiares com alguma facilidade. O problema do modo focado é que é difícil acessar novos caminhos e conexões no seu cérebro, é difícil acessar pensamentos que você nunca pensou antes.

Para acessar novos padrões de conexão utilizamos o modo difuso. Nesse modo, os obstáculos ficam mais distantes uns dos outros e você consegue explorar outras áreas do cérebro com maior facilidade para descobrir novos padrões de conexão (novos pensamentos) e para conectar padrões já existentes. Nesse modo, entretanto, você não consegue acessar com facilidades os detalhes dos seus pensamentos.

Patrick J. Lynch, medical illustrator (com modificações) / CC BY

Patrick J. Lynch, medical illustrator (com modificações) / CC BY

Os dois modos são complementares, um é utilizado para acessar pensamentos e resolver problemas específicos em um nível de detalhe muito grande e o outro é utilizado para explorar novos pensamentos e ideias de maneira ampla e generalizada. Ao que tudo indica, você só pode estar em um dos modos de cada vez, o acesso a um modo de pensar limita o acesso ao outro.

👨‍🎨 Pessoas incríveis já conheciam as duas formas de pensar

Salvador Dali foi um pintor espanhol surrealista conhecido por sua capacidade técnica e pelas imagens chocantes e bizarras que pintou. Sua pintura mais famosa é A Persistência da Memória que apresenta uns relógios derretendo. Um quadro que gosto do autor é o Sonho Causado pelo Voo de uma Abelha em Volta de uma Romã um Segundo Antes de Acordar, seu título é bastante sugestivo de uma técnica que o autor usava para explorar novas ideias.

Dalí sentava em uma cadeira e deixava seu corpo totalmente relaxado e sua mente completamente livre, mas tentando pensar sobre algo que ele tinha acabado de se concentrar. Ele mantinha um molho de chaves em suas mãos de forma que assim que caia no sono as chaves caiam no chão acordando-o. Ele então aproveitava os insights que o estado relaxado lhe propiciava.

Salvador Dali e Babou. Fonte: Roger Higgins, World Telegram staff photographer / Public domain

Salvador Dali e Babou. Fonte: Roger Higgins, World Telegram staff photographer / Public domain

Salvador Dalí. (Spanish, 1904-1989). The Persistence of Memory. 1931. Oil on canvas, 9 1/2 x 13" (24.1 x 33 cm). © Salvador Dalí, Gala-Salvador Dalí Foundation/Artists Rights Society (ARS), New York. Photograph taken in 2004.

Salvador Dalí. (Spanish, 1904-1989). The Persistence of Memory. 1931. Oil on canvas, 9 1/2 x 13" (24.1 x 33 cm). © Salvador Dalí, Gala-Salvador Dalí Foundation/Artists Rights Society (ARS), New York. Photograph taken in 2004.

Salvador Dalí. (Spanish, 1904-1989). Dream Caused by the Flight of a Bumblebee around a Pomegranate a Second Before Awakening. Oil on wood, 20 x 15.9" (51 x 40.5 cm). ©

Salvador Dalí. (Spanish, 1904-1989). Dream Caused by the Flight of a Bumblebee around a Pomegranate a Second Before Awakening. Oil on wood, 20 x 15.9" (51 x 40.5 cm). ©

Thomas Alva Edison foi um inventor americano que fundou a General Electric, uma das maiores companhias dos EUA. Edison inventou o fonógrafo, a câmera de video e a lâmpada elétrica. Ele implementou um dos primeiros sistemas de distribuição de energia elétrica dos Estados Unidos. Conta a lenda que ele usava uma técnica similar a de Dalí para expandir sua criatividade. Ele sentada em um cadeira para relaxar, segurando pequenas esferas de aço em suas mãos, e deixava sua mente livre. Ao cair no sono, as esferas caiam no chão acordando-o e ele voltava a se concentrar no que estava fazendo.

Thomas Edison. Fonte: Louis Bachrach, Bachrach Studios, restored by Michel Vuijlsteke / Public domain.

Thomas Edison. Fonte: Louis Bachrach, Bachrach Studios, restored by Michel Vuijlsteke / Public domain.

Estes dois exemplos ilustram um princípio-chave para o aprendizado: quando estamos tentando aprender algo novo ou resolver um problema difícil, precisamos ser capazes de alternar entre os modos focado e difuso várias vezes. Isso nos leva a pensar que o cérebro funciona de forma semelhante aos nossos músculos. Para se desenvolverem e ficarem mais fortes precisamos alternar períodos de treinamento com períodos de descanso, um pouco de cada todos os dias. Pouco a pouco você vai construindo uma estrutura óssea e muscular muito mais forte e robusta. Ao contrário, se você tentar levantar muito peso de uma só vez provavelmente só vai conseguir se machucar. Para aprender precisamos também alternar períodos de esforço concentrado com períodos de descanso. Aprender qualquer coisa leva tempo, é algo que precisa ser construído aos poucos.

🧟‍♂️ Procrastinação