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VIVER UMA JORNADA CRIATIVA PODE SER LIBERTADOR E REVELADOR.

Toda forma de arte é, de certa forma, autoral. Dentre todas elas, escrever um livro torna-se um mergulho profundo e detalhado em outro universo. Existem muitos exemplos conhecidos de livros e manuscritos que relatam uma perspectiva pessoal e imaginativa sobre o mundo. É bem provavél que existam incontáveis outros que nunca serão publicados por seus autores. Uma visão de mundo não é algo fácil de se compartilhar, ainda mais quando traz traços fortes do inconsciente, que não são palatáveis para a maioria das pessoas.

Mas quando deixamos de lado a crítica social e baixamos a guarda – assim como fazemos quando lemos uma boa ficção ou escutamos uma boa música – nos permitimos experimentar uma outra perspectiva. E isso é tanto libertador, como revelador.

Liber Novus

Uma das mais conhecidas viagens ao inconsciente ficou guardada do público por oitenta anos. O Livro Vermelho (ou LIber Novus – livro novo) é o resultado documentado de uma jornada incondicional aos limites do inconsciente. Alguns chegam a dizer que foi realmente um ato de loucura. Seu autor é o psicólogo suíço Carl Gustav Jung, considerada uma das mentes mais originais e um dos mais importantes psicólogos do século XX, que o confeccionou (confessou?) durante 16 anos (1914-1930).

Cheio de imagens míticas e de qualidade incrível, feitas pelo por ele mesmo, e diálogos com figuras misteriosas, o livro é enigmático e passional. Jung, que cunhou o termo arquétipo, intencionalmente buscou contato com seu material inconsciente e obscuro por uma necessidade pessoal de provar sua intuição de que a humanidade compartilha conceitos psicológicos fortíssimos, ao que chamou inconsciente coletivo. Jung disse que o Livro Vermelho foi fundamental para sua filosofia e chegou a recomendar que todas as pessoas passassem pela mesma experiência. Todos deveriam ter seu Liber Novus como uma forma de buscar sua essência e tomar contato com seu inconsciente.

OS ANOS EM QUE BUSQUEI AS IMAGENS DO INTERIOR FORAM OS MAIS IMPORTANTES DA MINHA VIDA. Carl Gustav Jung

Uma visita à essência pode ser perigosa. O próprio Jung admitiu que pode ter chegado à beira da loucura enquanto se dedicava ao livro. Mas manteve-se firme à sua personalidade e retornou com a descrição de uma jornada imaginária única.

Em relação a um diário, que é uma descrição consciente do cotidiano, o Livro Vermelho seria como um diário do inconsciente. Quem toma contato com esse material não espera compreensão, mas liberar a imaginação – assim como acontece com a maior parte das manifestações artísticas – mas, ao mesmo tempo, formata tudo isso para contar uma história, com sentido ou não.

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O mistério de cada um

QUANDO BAIXAMOS A GUARDA, NOS PERMITIMOS EXPERIMENTAR UMA OUTRA PERSPECTIVA.

Línguagem própria ou codificada e coisas que não existem frequentemente fazem parte desse tipo de obra. Seja qual for o motivo – fugir da censura política ou da sociedade, por exemplo, ou simplesmente uma manifestação inconsciente – isso aumenta a aura de mistério sobre as intenções do autor. A escrita automática (ou livre, ou ainda psicografia), cultivada por vários artistas como Fernando Pessoa, Ray Radburry, Salvador Dalí e André Breton, entre outros.

Sensacional e lírico, o Codex Seraphinianus, (Codex, latim, ou códice, português, são compilados ou aglutinados de páginas formando um volume escrito, antecessores do livro impresso) do designer italiano Luigi Serafini, vemos criaturas fantásticas e sua descrição, como se um antropólogo estive nos contando sobre um universo paralelo. E realmente está: o universo do imaginário de Serafini, como num descampado onde sua mente está livre para brincar como quiser. Essa é a diferença principal em relação a outros conhecidos universos fantásticos, como o de Alice no País dos Espelhos. O crivo “editorial” dessas obras é da própria pessoa, ou seja, não há, pelo menos de maneira efetiva, a presença da sociedade.